É parafraseando Júlio Verne que inicio esse post por conta de um acontecimento que já considero um marco na história de nossa cidade. No início desse mês de agosto, caiu o forte movimento de resistência por conta do projeto do VLT e a famosíssima Feira do Rato foi destruída pela SMCCU, um órgão de nossa prefeitura que tem em parte de sua sigla o termo "Convívio Urbano", mas precisa rotineiramente executar tantas tarefas ingratas, contra principalmente, uma das atividades mais humildes, representativas e perseguidas do país: os vendedores ambulantes.
Tudo bem. Eles não pagam impostos como os comerciantes regularizados, mas já existem leis e iniciativas para tentar resolver essa situação no país da tributação. No entanto, o profissional carinhosamente chamado por muitos de "camelô", além de movimentar boa parte da economia brasileira, traz consigo algo ainda mais forte: São altamente folclóricos e caricatos, inventando bordões e fornecendo produtos financeiramente muito mais próximos do alcance das camadas populares. No caso da Feira do Rato o impacto de sua extinção é ainda mais doloroso, uma vez que além dos seus vendedores e clientes, a feira por si só tinha um carisma próprio e único, influenciando até no tráfego naquele trecho da cidade. Era fantástico observar quando, boa parte das mercadorias lá comercializadas e postas para venda no meio dos trilhos do trem que cruzava o lugar precisava ser ajustada ao sinal da chegada do esfumaçante, suado e decadente meio de transporte. Apesar do eterno perigo e da milimétrica distância entre trilhos e barracas, que beijavam a porta dos vagões a cada uma de suas passagens, o ritual de arrumação e desarrumação de cada um dos kits de venda nesses instantes sempre dava certo e também era algo que já poderia ter sido tombado como patrimônio imaterial de nosso Estado.
Além desse aspecto peculiar, posso falar ainda mais e com muita propriedade sobre a Feira do Rato. Nasci, cresci, morei e estudei por muitos anos na fronteira entre os bairros da Ponta Grossa e Levada, lugares na periferia de Maceió. Durante o primário e o ginásio fazia todo dia o caminho de casa até a escola passando pelo efervescente shopping popular. Depois da aula, encarava a entrada no Core, no núcleo e âmago da Feira do Rato protegido, assim como Frodo, apenas pela minha inocência dos inúmeros perigos que me cercavam. Tudo em nome de minha paixão pela leitura, já que lá dentro, no meio da bagaceira, tinha uma banca de revistas velhas que adorava visitar para ler, vender, comprar ou trocar revistas em quadrinhos. Uma de minhas grandes paixões até hoje e que serviram de base para minha veia literária.
É o fim da Feira do Rato. De suas peças para eletrônicos fora de linha, de seus relógios de origem duvidosa e acessórios "importados", das vendas dos clássicos espelhos de armação cor de laranja e pentes aredondados que cabem na palma das mãos. As roupas de confecção genérica que imitam grifes famosas vão agora para outra boutique em céu aberto e a Vigilância Sanitária terá outras barracas de passaporte para fiscalizar. Chega o fim de mais um cenário tão brasileiro e colorido como um tecido de chita. Um lugar que dinamicamente se revestia todos os dias de tantos ritmos musicais, quase sempre capitaneados pelo som politizado, transgressor e romântico da Reggae Music ou simplesmente pelo trabalho de artistas tão desconhecidos como tantos rostos que por lá viveram e passaram.
E que venha o VLT ... com sua velocidade e gelidez combinando com uma era onde tudo tem que passar cada vez mais rápido porque todos tem sempre pressa ... muita pressa.
Só não sei mesmo porquê ... mas fica aqui a nossa homenagem
E que venha o VLT ... com sua velocidade e gelidez combinando com uma era onde tudo tem que passar cada vez mais rápido porque todos tem sempre pressa ... muita pressa.
Só não sei mesmo porquê ... mas fica aqui a nossa homenagem