domingo, 2 de dezembro de 2012

Enquanto as luzes se acendem e o ano se apaga

Chegando o fim de mais 365 dias Gregorianos, o famoso vento de Novembro (mesmo bem mais sereno é verdade) ainda está entre nós, como se num ato de apoio ao vizinho Dezembro, ajudasse com o sopro dos mortos no apagar do que foi mais um ano. Apelando ainda mais para os nossos sentidos, junto com o vento chegam agora as luzes da terra de Jackie Chan. Luzes que se multiplicam em nossos olhos e como naquele filme do Travolta, refletem cores, formatos, tamanhos e sobretudo sentimentos. 

Dentro de casa, piscam para o delírio daqueles, ainda  na selvagem, irresponsável e irresistível faixa etária antes da adolescência, quando pulam loucamente, correm com seus buchos de fora, e até mesmo se concentram, ajudando na decoração da época. Já do lado de fora, na noite de lua em formato de queijo do reino, iluminam casais vivendo como se o tempo parasse pra eles enquanto que bares e restaurantes regozijam-se de forma cintilante, cada vez mais lotados pelas festas de confraternização, que celebram a amizade, o amor e a saída do Mano Menezes da Seleção. E nos shoppings ou centro do comércio, hipnotizados por seu incessante brilho, todos soltos na buraqueira mergulham no crediário de mãos dadas, com o seu mais novo, enigmático e tão breve amigo: o 13º salário. Por fim, se não bastasse a luz, sob o famoso e imortal dedilhar da harpa natalina ou daquela música do John Lennon, que a Simone sempre insiste em cantar todo fim de ano, os presentes de amigo secreto são embalados tão intensamente que marejam os olhos dos vendedores temporários, na esperança de efetivação depois das festas. 

É com a chegada desses dias, que o acender das luzes traz para muitos a sensação de que algo diferente pode ser feito. Que é tempo de perdoar, de pedir desculpas e de esquecer. É tempo de rir de graça de qualquer coisa, de não ter medo de fazer papel de bobo dizendo "Eu Te Amo" e lembrar daquele que pode estar precisando simplesmente de nossa presença ao lado. Mas deve ser tempo, principalmente, de tentar entender porquê não podemos simplesmente ser assim e sentir essas coisas o tempo todo.

sábado, 9 de junho de 2012

O Mundo Maravilhoso dos Instrumentos Invisíveis

Quando aquele silêncio surge dentro de nós parecendo não querer sair e a engrenagem que faz nosso mundo girar perde o rumo, vem aquela sensação de novo. Como se um beijo do impossível nos tocasse a boca, o coração aperta, as idéias desfocam e as câimbras, que vão das panturrilhas até as arestas da alma, sinalizam que a música mais uma vez, precisa nos salvar.

Subitamente, indo para o trabalho, em meio à sinfonia urbana dos carros, baquetas invisíveis queimam nossas mãos atacando o volante, em resposta às batidas que saem das caixas de som. O acelerador e a embreagem viram pedais e as caras e bocas que tanto fazemos se camuflam pelo vidro fumê. De repente, a chave da ignição desliga a magia, anunciando o início de mais uma jornada diária. Aberturas de ordens de serviço, leitura de  e-mails, elaboração de projetos, relatórios nonsense, reuniões pra marcar reuniões e outros recursos corporativos criados por seitas adeptas do suicídio coletivo surgem sempre pra nos entreter. Minutos, viram horas, horas viram dias e dias só não viram anos por conta de nosso amigo ... o fone de ouvido! Que nos transporta de novo para aquele mundo, ainda que de forma intermitente e mais contida.

Ao fim do expediente já em casa, o vazio da sala pede mais uma dose e apertamos o play. Enquanto a guitarra imaginária gentilmente chora por nós, poderosos acordes dilatam nossas veias, agitando cada neurônio quando se aprende a voar, voar pra bem longe. Bem longe ... nem sabemos ao certo onde é mas parece o melhor lugar do mundo pra fugir nessas horas.  Dançando sozinho (o mais belo dos micos), fazendo mosh no sofá e até mesmo acertando na parede aquela parte do cotovelo, nada pode abalar esse transe. Acontece que o fim da canção, desgastada pelo modo repeat, e o cansaço do corpo pede para fecharmos o dia, torcendo por um amanhã melhor. Mas isso não livra de sua missão o surrado frasco de shampoo que insiste em não acabar. Na hora do banho e com o melhor dos microfones, o show não pode parar ...

domingo, 27 de maio de 2012

Coloridos, necessários e esquizofrênicos

Os lentos e pesados passos após insones segundos na escada rolante, que hoje nem é mais escada (já que agora viraram exibidas esteiras de metal), nos colocam de novo à frente do mesmo quadro: a compacta e sofrida visão dos carrinhos que esperam. Esperam e sonham que alguém os escolha para mais um breve passeio. Passeio que os libertem, mesmo por minutos, de suas vidas. Tão paradas, vazias e sem sentido quanto conversa de elevador com o vizinho chato do prédio.

Às vezes, até mesmo suas rodas, travando por falta de manutenção, estragam a parte mais feliz da jornada: o ato de fazer as curvas entre as seções, que se torna mais tenso que exame do Detran sem direção hidráulica. A ordem das prateleiras, aparentemente a mesma de sempre, é uma grande farsa. Na calada da noite, algum perverso agente de camisa pólo mudou de lugar justamente algo que precisamos e, no meio do trajeto, descobrimos que é necessário voltar. A já amassada lista de compras, o cupom das ofertas da semana e o panfleto da farmácia em anexo (que ainda iríamos hipocondriacamente visitar) são descartados. Não existe mais (se é que existiu algum dia) beleza nos corredores úmidos e coloridos. Acaba a paciência de desmascarar placas com falsas promoções e de ler com atenção os rótulos de cada um dos produtos, estrategicamente impressos em fontes minúsculas por seus fabricantes. Jogamos tudo no carro para terminar o suplício o quanto antes pois já dói nosso peito e falta muito pouco para o sorvete e as polpas de fruta deixarem nosso mundo.

De forma cada vez mais cruel, os dilemas persistem e chega a hora da última das escolhas: A fila "rápida" e longa ou a bem pequena com só mais um condenado em nossa frente (cujas compras dão sempre problema na hora de passar o preço ou acaba a bobina do caixa na hora de gerar a nota). Dessa vez a escolha não fez diferença. Depois de horas de espera, desfile de cada item na esteira e embalagem nas sacolas, enquanto admiramos a desenvoltura da mulher dos patins,  a central do cartão resolve ficar fora do ar no hora do pagamento. Outras tentivas em vão ... deixemos tudo pra trás. O carrinho, as compras e momentos da vida que não vão mais voltar. Pelo menos até semana que vem ...

domingo, 18 de março de 2012

Barba no Esmalte e Navalha na Garganta


Fios de cabelo se espalham pelo chão mal varrido do local decadente que já insiste por anos em não fechar as portas.  As navalhas, tão desgastadas quanto a relação de Aldo Rebelo e Jerôme Valcke, levam diariamente os poucos e fiéis clientes a minutos de extremo perigo enquanto toalhas em tom sépia combinam poeticamente com o mofo das paredes, vítimas de infiltrações mal resolvidas. Do lado de fora, o jogo do bicho recebe as apostas na banca improvisada ao som de fundo das intermitentes batidas do dominó sob os tabuleiros de madeira. Solo sagrado de épicos embates lúdicos que se arrastam por horas a fio na calçada ou praça logo ao lado. 

O cenário de abandono que retrata a iminente extinção das clássicas barbearias dos grandes centros urbanos, acaba trazendo um novo desafio para o homem contemporâneo: Encontrar um lugar agradável para cortar o cabelo. Tudo isso por conta da transformação de um ritual, ora prazeroso e singelamente carregado de testosterona, numa sessão de tortura psicológica mais intensa que tratamento de canal numa sexta-feira a tarde. Os salões, mesmo quando ditos 'Unisex' nos recebem agora de outra forma. A névoa da fumaça dos cabelos queimados atenua os olhares semi-cerrados de ódio das clientes em nossa direção, pois agora precisam proteger segredos e pensamentos com prendedores, papel laminado e outros acessórios dentro do alcance. As funcionárias, atônitas e desconfiadas, não sabem mais ao certo como se portar, já que boa parte dos assuntos agora parece mais tabu que comer manga com leite e a proprietária até se esforça, tentando com um sorriso amarelo, nos convencer que está tudo bem e seremos todos amigos (não para sempre como na música de formatura mas ao menos durante aquela hora). Mas tudo não passa de uma farsa que dura poucos minutos.

Depois de vencida a barreira da entrada, tudo ainda pode piorar. Basta saber que ainda vamos ter que esperar nossa vez. O ar, mais pesado que as estantes de esmaltes em degradê, provoca tantos delírios que nos vemos forçados a cheirar revistas de celebridades num ato visceral de sobrevivência para aguentar mais tempo. Por fim, quando chega nossa hora, tudo é muito rápido (principalmente se já não for a primeira vez). Pouquíssimas palavras são trocadas. Tesouradas pra cá, tesouradas pra lá, uma aparada na nuca, nas costeletas e para fechar o serviço, umas duas ou três alisadas finais na cabeça como se nos dissessem com ternura: Parabéns ... você conseguiu mais uma vez. Assim, tiramos a bata, saímos orgulhosos, aliviados e pensando ... não seria a hora de começar a deixar o cabelo crescer mais um pouco?

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Por que amar Lisbeth Salander

Um dos grandes motivos da existência desse blog é o apreço pela arte de escrever, o dom de transformar idéias e reflexões em crônicas, poesias, contos e personagens marcantes. Karl Stig-Erland Larsson, escritor e jornalista sueco, desde meados dos anos 90 vinha se entregando incansavelmente a essa missão quando um infarto fulminante o impossibilitou de desfrutar do estrondoso sucesso de sua obra póstuma: A trilogia Milleniun, que já virou filme em seu país de origem e agora aterriza nos cinemas do mundo graças ao magnífico David Fincher. Confesso que fui ao cinema inicialmente apenas por isso, sequer me preocupando em me informar um pouco mais.  Eis que, para minha surpresa, deixo os 150 minutos de projeção bestificado por um enredo envolvente e inspiradíssimo, sob atmosfera da gélida e lúgubre Estocolmo e coroada por uma personagem densa, magistral e que já fez história.

A silhueta magra e pequena de um languido e pálido corpo repleto de tatuagens e piercings é de uma expressividade tão absurda quanto a eloquência e profundidade dos olhos de Lisbeth Salander. Colocada numa instituição psiquiátrica aos 12 anos de idade após tentar incendiar o próprio pai (que espancava sua mãe constantemente), foi liberada anos depois sob a condição de tutela. A partir daí, teve que lidar com psicólogos pervertidos e estupradores enquanto se tornava uma investigadora secreta, sociopata e perita em computadores. Dizem algumas manchetes que desde a era ABBA a Suécia não esteve tão em foco e pode-se dizer que tudo isso se dá pelo carisma da personagem. Contribuindo ainda mais com o fenômeno, o fato de seu criador não estar mais vivo  faz com que várias teorias e rótulos caiam sobre a mesma constantemente: ícone feminista do 3° milênio, guerreira gótica do mundo hacker e várias outras bandeiras que muitos adoram levantar em seu nome.

Muitos críticos  amam a personagem e outros afirmam que ela não representa coisa alguma. Não se pode afirmar quem está com a razão mas a minha escolha de amar Lisbeth Salander se dá pelo mesmo motivo de meu amor por Amelie Poulain, pela Berlin preta e branca de Win Wenders ou a Espanha colorida (mesmo que às vezes sombria) de Almodovar. Por poder viajar pela onírica Itália de Felini, a China mambembe de Jackie Chan ou, ainda mais longe, para os mágicos mundos de Tolkien, Tim Burton e tantos outros gênios. Amo Lisbeth Salander por ela me fazer lembrar de quantas coisas fabulosas ainda se  escondem de nós, muitas vezes logo ao nosso lado, já em outras separadas por oceanos até. Hoje, temos as ferramentas. Além do cinema, a Internet pode sempre nos ensinar a não nos conformarmos com hambúrguer todos os dias, ainda que as mesmas canções nunca deixem de tocar nas rádios.
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