quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Superior ao Tempo.

Verão de uma madrugada vazia e silenciosa na enluarada e solitária Avenida Fernandes Lima. Um dos lugares mais congestionados, barulhentos e atormentados da cidade vivia repetidamente, na estreita faixa da meia noite à alvorada, um cenário bem diferente de sua rotina comercial. O cair de uma gilete no banheiro de qualquer um dos moradores da Pitanguinha (que bem podiam estar fazendo uma de suas famosas serestas) poderia ser ouvido por qualquer um de nós que vivesse o dia-a-dia do serviço militar e estivesse "de plantão" naquele dia, no 59º Batalhão de Infantaria Motorizado.

Em dias como esses, ficávamos 24 horas sem poder sair do quartel revezando nossos postos com outros dois companheiros numa escala 2 por 6. Ou seja, duas de guarda e quatro de pseudo descanso (pseudo porque as vezes nossos superiores imediatos usavam essas horas para nos solicitar faxinas e outras atividades de natureza educativa). Fui infeliz no sorteio e caí mais uma vez no famoso turno de 02:00 às 04:00 da manhã. Carinhosamente chamado de "Poca Olho". Além do inseparável Fuzil, ninguém mais para acompanhar nossa jornada solitária de trabalho junto com nossos pensamentos fora de foco da adolescência. Como não estávamos no Iraque, Afeganistão ou qualquer outro lugar de natureza beligerante, a lista de preocupações e coisas para fazer, além ficar atendo ao seu posto, diminuía consideravelmente e assim,  estratégias para o tempo passar mais rápido tinham que ser criadas. Tanto a nobre ciência da Astronomia amadora como outras atividades mais alternativas tinham seu espaço: Contar a quantidade de folhas das amendoeiras que caíam ao chão por minuto, observar quais companhias de ônibus tinham mais veículos passando naquele horário e identificar o intervalo de segundos entre o acender e apagar nas lâmpadas de postes com defeito eram alguns exemplos técnicas para alimentar o ócio.

O coturno sujo, gasto e cansado me pedia a cada segundo para continuar caminhando, mesmo que fosse em círculos, no pequeno espaço físico que tinha que tomar conta naquela madrugada de vigília. Era melhor que ficar parado e acabar encontrando Sandman. As pernas também já não respondiam mais tão rápido àquela altura da semana, depois de uma marcha de 100km na semana anterior e as tradicionais atividades físicas do cotidiano quando,  nos fins de tarde, corríamos pelo bairro do Farol subindo a Ladeira da Moenda sem parar de cantar as músicas mais pedidas por nossas groupies, que adoravam ver alguém de farda fazendo o que quer que fosse. Farda essa, com várias versões de acordo com a ocasião e necessidade: uniforme de gala, de educação física e vários outros. Naquele momento, usava a versão mais comum, com suas cores rajadas e acessórios que me ajudavam a controlar a fome e minha hipoglicemia por conta de seus bolsos profundos na calça que comportavam um pão francês amanhecido de cada lado e mais um punhado de bananolas (que em nossa época eram moeda de troca como cigarros nos filmes de penitenciária) para  passar por mais um dia de trabalho com sentimento de dever cumprido.

Muitos dizem que nas situações de dificuldade, conhecemos as pessoas e lá conheci muito da vida e muitos bons amigos. Perdi o contato com a maioria deles mas queria que soubessem, que nesse 25 de agosto, dia do soldado, apesar de não termos servido nesse posto, lembrei daquele tempo.
Um grande abraço pra vocês ... Até a próxima.

7 comentários:

  1. Eu sabia que no fundo dessa aridez tinha um fã de Band of Brothers.
    Eu ouço muitas frases como: "quando as esporas se tocam, está selada a amizade", "o amigo pe aquele com quem a gente já dividiu o quilo de sal" ou "cuide bem do seu amigo e, na dificuldade, nascerá o irmão".
    Aquele tempo foi bom.
    Não ache que você não serviu naquele posto. Pelo que eu acabei de ler, se cantil ainda está lá.
    "Porque, por definição, o homem da guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai coragem, e à sua direita a disciplina".

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  2. Outra coisa.
    Como diz o poeta, com o tempo a gente aprende que o termo "superior ao tempo" não se refere somente ao clima.

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  3. Grande MEGA vulgo "zero meia" cara aquele tempo de caserna realmente marcou nossas vidas, fiz verdadeiros grandes melhores amigos, pois ate hoje faço questao de encontra o pessoal da turma e relembrar o que passamos naquele fatidico ano de 1994, do trafico de bananola do Novaes as famigeradas provas de TFM do ten. Medeiros ... Meu amigo bons tempos aqueles ... gostaria que meu filho tivesse uma experiencia parecida ... ja que ali conheci varios irmaos que a vida pos em meu caminho ! (desculpe a falta de acentuaçao mas meu teclado ta desconfigurado :-0 )
    abraço fraterno do

    "Zero dois" vulgo Portela

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  4. Atílio PEIXOTO Soares Jr.30 de agosto de 2011 às 17:56

    Caro Mega, foi mesmo uma época marcante, vivida com muita intensidade. Um grupo ímpar. Minhas lembranças daquele tempo são muitas... E tem mais: algumas canções do nosso NPOR 94 são cantadas até hoje por mim para ninar as minhas pequenas. Hahahaha!! Abraços,

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  5. Caramba, só hoje descubro que o 06 tem um blog! Depois de muito tempo sem encontrar com o 06, o destino nos coloca na mesma trilha, digo, na mesma corrida (se isso fosse dito para uma mulher, pareceria uma cantada!) André, ótimo saber que você escreve. Para mim, o hábito de escrever funciona como uma terapia. E ler o seu texto acima, foi uma verdadeira terapia, me fez voltar 19 anos no tempo. Até hoje me lembro das canções 'cantadas' durantes as corridas de rua. Detestava correr, e as cantigas aliviavam o desespero e o cansaço. Ainda hoje, quando estou correndo nas ruas ou até mesmo na esteira da academia, as canções vem em mente, e começo a cantá-las mentalmente, marcando o passo, tudo certinho como manda o figurino, ou melhor, como manda o comandante.
    Forte abraço!

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  6. Tive a felicidade encontrar o blog do nosso amigo André (vulgo 06) hoje, realmente aquele ano foi um ano ímpar caro amigo, que irá ficar marcado por resto das nossas vidas, lá fizemos vários amigos que realmente podemos contar para as diversidades do dia a dia, se tivesse como voltar ao tempo e me pergunta-se se faria tudo de novo, eu responderia que faria tudo novamente do mesmo jeitinho sem mudar nada, agora caro amigo 06 faltou que você fizesse um comentário da sua numeração no qual sabemos que você não é apreciador, rsrsrs.
    E foi melhor ainda saber que o seu pai era um amigo do meu avô, a amizade e a consideração que eles possuíam.
    Ótimo Blog 06, um grande abraço!

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    1. Tamo junto brother! Grande abraço. Ah! E 06 ...vc já sabe o resto né? rsrsrs

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