sábado, 27 de agosto de 2011

Viagem ao Centro da Terra

É parafraseando Júlio Verne que inicio esse post por conta de um acontecimento que já considero um marco na história de nossa cidade. No início desse mês de agosto, caiu o forte movimento de resistência  por conta do projeto do VLT e a famosíssima Feira do Rato foi destruída pela SMCCU, um órgão de nossa prefeitura que tem em parte de sua sigla o termo "Convívio Urbano", mas precisa rotineiramente executar tantas tarefas ingratas,  contra principalmente, uma das atividades mais humildes, representativas e perseguidas do país: os vendedores ambulantes.

Tudo bem. Eles não pagam impostos como os comerciantes regularizados, mas já existem leis e iniciativas para tentar resolver essa situação no país da tributação. No entanto, o profissional carinhosamente chamado por muitos de "camelô", além de movimentar boa parte da economia brasileira, traz consigo algo ainda mais forte: São altamente folclóricos e caricatos, inventando bordões e fornecendo produtos financeiramente muito mais próximos do alcance das camadas populares. No caso da Feira do Rato o impacto de sua extinção é ainda mais doloroso, uma vez que além dos seus vendedores e clientes, a feira por si só tinha um carisma próprio e único,  influenciando até no tráfego naquele trecho da cidade. Era fantástico observar quando, boa parte das mercadorias lá comercializadas e postas para venda no meio dos trilhos do trem que cruzava o lugar precisava ser ajustada ao sinal da chegada do esfumaçante, suado e decadente meio de transporte. Apesar do eterno perigo e da milimétrica distância entre trilhos e barracas, que beijavam a porta dos vagões a cada uma de suas passagens, o ritual de arrumação e desarrumação de cada um dos kits de venda nesses instantes sempre dava certo e também era algo que já poderia ter sido tombado como patrimônio imaterial de nosso Estado. 

Além desse aspecto peculiar, posso falar ainda mais e com muita propriedade sobre a Feira do Rato. Nasci, cresci, morei e estudei por muitos anos na fronteira entre os bairros da Ponta Grossa e Levada, lugares na periferia de Maceió. Durante o primário e o ginásio fazia todo dia o caminho de casa até a escola passando pelo efervescente shopping popular. Depois da aula, encarava a entrada no Core, no núcleo e âmago da Feira do Rato protegido, assim como Frodo, apenas pela minha inocência dos inúmeros perigos que me cercavam. Tudo em nome de minha paixão pela leitura, já que lá dentro, no meio da bagaceira, tinha uma banca de revistas velhas que adorava visitar para ler, vender, comprar ou trocar revistas em quadrinhos. Uma de minhas grandes paixões até hoje e que serviram de base para minha veia literária. 

É o fim da Feira do Rato. De suas peças para eletrônicos fora de linha, de seus relógios de origem duvidosa e acessórios "importados", das vendas dos clássicos espelhos de armação cor de laranja e pentes aredondados que cabem na palma das mãos. As roupas de confecção genérica que imitam grifes famosas vão agora para outra boutique  em céu aberto e a Vigilância Sanitária terá outras barracas de passaporte para fiscalizar. Chega o fim de mais um cenário tão brasileiro e colorido como um tecido de chita.  Um lugar que dinamicamente se revestia todos os dias de tantos ritmos musicais, quase sempre capitaneados pelo som politizadotransgressor romântico da Reggae Music ou simplesmente pelo trabalho de artistas tão desconhecidos como tantos rostos que por lá viveram e passaram.

E que venha o VLT ... com sua velocidade e gelidez combinando com uma era onde tudo tem que passar cada vez mais rápido porque todos tem sempre pressa ... muita pressa.
Só não sei mesmo porquê ... mas fica aqui a nossa homenagem

7 comentários:

  1. Vai deixar saudades...
    Na adolecência, comprava as melhores fitas K7 de Reagge da cidade numa banca especializada da feira.

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  2. Muito bom o post , André!! Na época áurea, quando a violência e o tráfico de drogas ainda não assombravam nossa cidade, meu pai sempre ia comprar bugigangas na feira e me levava para passear por lá :) Chamávamos também de Feira do Passarinho!! Uma pena que esse tal do progresso avança e mexe cada vez mais com os fenômenos históricos das periferias.

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  3. E mesmo que consigam outro espaço, os ares nunca mais serão os mesmos. O processo de modernização tem desses efeitos colaterais.

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  4. Nossas lembranças serão cada vez mais a imagem de nosso passado, uma vez que esse tipo de mudança acontece.
    Queria ter esse dom da palavra pra descrever, de um jeito parecido, o que hoje é o Campo do Corínthians, o Shopping Pátio e aqueles arredores.

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  5. Lembranças: belas imagens e sentimentos que vivemos que com o tempo guardamos com tanta alegria, carinho e saudade. Muito bom seu post, André!! Me fez lembrar do Colégio Bom Conselho, em Bebedouro, que hoje está entregue ao abandono do Estado.

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  6. E agora, onde ouviremos aquele "Reggae do mercado?" Mais um excelente post, meu caro. Assim como vc, nasci e me criei no Colégio São José, de embates históricos com o Colégio Sagrada família, e de aventuras mil no mercado da produção. Certa vez assisti um documentário sobre a feira do rato e a imagem aérea acelerada da passagem do trem pela feira do rato é simplesmente pitoresco e único, toda aquela movimentação orquestrada e sempre eficiente. Como disse o Alexandre em seu comentário: vai deixar saudades.

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  7. André, acho que a banca de revistas que você citou também foi bastante frequentada por mim; boa lembrança. Frequentei bastante as feiras ao redor, o Mercado da Produção, entre outros. Gostava de provar as farinhas, normalmente quentinhas; do cheiro das carnes e das frutas. Lugar pitoresco mesmo.
    Mas acho que aquela parte da Levada precisa ser "colada" ao bairro do Centro. O Mercado do Artesanato destoa dos arredores. O Mercado da Produção sempre enchia de água e lama durante as chuvas; poderia (deveria?) ser uma espécie de "mercado modelo", tipo o de Salvador. Espero que a Levada não fique apenas no VLT: espero que haja um projeto de reurbanização, abrangendo da Praça do Pirulito até o Mercado da Produção, numa espécie de corredor urbano, privilegiando feirantes e artesãos. De uma tacada aumentaria a área de comércio do Centro e revitalizaria uma área degrada pela sujeira e abandono. Ganharíamos todos.

    Show o texto e o título!

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