
Lá temos a calorenta e impiedosa Rua do Sol se contrapondo com a rispidez de suas diversas agências bancárias (quer me torturar? Dá um jeito de me fazer passar 1h em um banco :( )
A embriaguez da Rua das Árvores, antítese da rua anterior, com sua luminosidade natural quase nula, chão tortuoso e aparentemente sempre úmido, que as pessoas sempre atravessam como personagens de um videogame, tentando ultrapassar os obstáculos oferecidos pelas barracas de tempero, raízes, frutas ou discos usados de vinil .
A armadilha em diversas cores das casas de fliperamas em frente à magistral Praça Deodoro, um dos lugares mais barra pesada (já tinha uma veia antropológica na época e uma curiosidade mórbida em ir pra lá ver garotos de minha idade terem suas fichas tomadas pelos maloqueiros da área) para se frequentar na inocente e romântica época pré-crack.
Na Rua Boa Vista, o clima boêmio do Palácio do Chopp (bar em funcionamento desde 1917 cujas mesas já foram ocupadas por personalidades como Graciliano Ramos e Jorge de Lima) e seus vizinhos engraxates, cujo clima se choca paradoxalmente com a proximidade dos sons agelicais da belíssima Igreja do Livramento, cercada por nossas queridas doceiras e seus tabuleiros de bolo de macaxeira, massapuba, pés-de-moleque e outras iguarias de milho.
Por fim, a alegria da Rua do Comércio!!! Independente dos problemas e mesmo sem dinheiro, lugar para andarmos felizes e de mãos dadas com o demônio gastador!!! Vamos comer pastel chinês com catchup doce do China, comprar besteira na banca de revista, olhar vitrines pomposas nos manequins anoréxicos e sem cabeça das lojas de confecção e tomar caldo de cana com salgado sentindo o cheiro dos self-services (excelente técnica utilizada para matar a fome sem gastar muito dinheiro) preparando suas refeições.
Concomitante a esse universo, se tivesse que escolher uma trilha sonora para tudo isso, posso dizer que não existe nada melhor que o som de Edmilson (conhecido por muitos como o cego do pandeiro). O último personagem (pelo menos por enquanto) da série de figuras históricas tratadas nesse espaço.
Alguém tem noção do que é ficar sentado, sem enxergar, no meio de um sol escaldante (em torno dos 40ºC) tocando seus instrumentos (pandeiro, gaita e lata de leite em pó entre as pernas) e cantando sem microfone o dia todo? E com harmonia? Edmilson é pra mim um dos maiores artistas de rua da cidade. Um talento que já emocionou várias gerações com seus lamentos, cânticos de luta regados a lágrimas misturadas de suor e até mesmo músicas de deboche sobre os políticos locais e outros temas pertinentes da época.
Difícil alguém que já andou pelo centro de Maceió e não saiba de quem eu esteja falando. Não ando mais por lá como antes (uma pena e talvez por isso tenha ficado esses anos sem escrever), mas nas últimas notícias que tive ele ainda estava atuando, como podemos ver nessa matéria de dois anos atrás. Reverencio Edmilson não apenas por motivos folclóricos ou musicais. É algo bem mais profundo ... envolve uma atmosfera criada em conjunto por diversos artistas na arte de sobreviver, contornada de forma inesquecível por seus versos e melodias. É algo que, uma vez absorvido, fica tatuado na alma pra sempre.